Como estar na mira das empresas - Jovens profissionais.
11/03/2015
Como o país possui um número crescente de faculdades, muitas delas oferecendo um bom padrão de ensino, é grande a concorrência pelo primeiro emprego. De cada dez recém-formados que se habilitam a uma vaga de nível superior, anunciada nos classificados de jornal, sete estão em condições de ocupá-la. No caso específico das oportunidades de emprego mais procuradas, aquelas oferecidas pelas 100 maiores empresas do país, calcula-se que quem se candidata tem uma chance em 5.000 de vencer a disputa e ser contratado. Vencida a batalha da contratação – e que batalha! –, o jovem empregado tem razões para comemorar e mais razões ainda para tomar fôlego. Vem aí uma sucessão de disputas até o final de sua carreira. Ele pleiteará um posto de supervisor, de gerente, um cargo na diretoria e, se for considerado único naquilo que faz, terá condições de sonhar até com a vaga de presidente. Por que não? Milhares de jovens que estão hoje sentados nos bancos das faculdades chegarão lá. Para os mais ambiciosos, no entanto, vale a pena conhecer uma estatística que provoca aquele friozinho na barriga: segundo os especialistas, um recém-formado tem uma chance em 1,6 milhão de tornar-se presidente de companhia verdadeiramente grande. Para quem está chegando agora ao mercado, um bom meio de se preparar para a guerra é familiarizar-se com as características mais valorizadas no mundo dos negócios e compará-las com as suas próprias virtudes (e defeitos). E ninguém melhor para contar o que se espera do jovem profissional do que aqueles que os contratam: os empresários.
Para traçar o perfil profissional que o mercado espera do jovem, a revista VEJA realizou uma pesquisa junto às 100 maiores empresas privadas brasileiras. Os resultados desse levantamento espelham o que está ocorrendo ou virá brevemente a acontecer nas empresas menores. O estudo mostra que os empresários desenvolveram um novo conceito de avaliar competência, mais ligado ao temperamento dos candidatos do que propriamente aos conhecimentos formais que ele adquiriu ao longo da vida. Uma boa base teórica continua sendo valorizada, mas a pesquisa chama a atenção para uma safra nova de preocupações por parte das companhias. A empresa quer um profissional versátil e capaz de resolver problemas. Isso é tão importante quanto cursar uma universidade renomada. Na pesquisa, algumas das virtudes mais repetidas eram as de caráter subjetivo. Os empresários estão à caça de alguém que tenha "diversidade", "participação social", "atitude proativa" (expressão usada para dizer que cada um é o responsável pelo gerenciamento de sua própria carreira). Também querem um candidato com "garra" e "brilho nos olhos". "A empresa avalia hoje a personalidade de um jovem, sua criatividade e curiosidade intelectual", explica Carlos Faccina, diretor de Recursos Humanos da Nestlé.
O trabalho tem um lado surpreendente, pois desmonta uma série de crenças divulgadas em livrecos de auto-ajuda. Uma delas diz respeito aos badalados cursos de MBA, iniciais de Master in Business Administration. Ao contrário do que pode parecer, as companhias acreditam que nem sempre ele é essencial. Apenas 6% das empresas acham que um curso de especialização feito logo depois da graduação tem resultados realmente positivos. 49% das companhias defendem a realização de um curso desses após dois anos de experiência profissional. Muito mais importante do que o MBA, na opinião dos empresários, é morar fora do país fazendo algum programa de intercâmbio. Longe de casa, o jovem estará aprendendo a se virar sozinho, a conviver com diferenças e a respeitar outras culturas. Outra crença furada: a necessidade de um histórico escolar recheado de notas altas. Até pouco tempo atrás o senso comum supunha que os melhores alunos seriam também os melhores funcionários. Não é assim que acontece. Para as empresas, o desempenho de um aluno na universidade conta menos que o domínio de línguas estrangeiras. "Eu não quero saber se o candidato foi bom aluno ou se colou para passar. Boas notas não dão a ninguém as qualidades de que o mercado precisa", diz Magim Rodriguez, diretor-geral da AmBev.
Para quem se sente desorientado com mudanças conceituais, é bom saber logo que o mercado de trabalho se assemelha ao mundo da moda. Assim como a largura da boca da calça e as golas das camisas mudam a todo instante, muitas "verdades" no campo dos recursos humanos têm vida curta. Algumas duram até a próxima estação, ou melhor, o próximo seminário. Para estar atualizado com a "última palavra" é preciso ler. O funcionário que as organizações procuram hoje é muito diferente daquele que se queria contratar há dez ou vinte anos. Características antes tidas como virtudes atualmente são consideradas defeitos. Até não muito tempo atrás, as empresas buscavam profissionais fiéis a ponto de dedicar vinte, trinta ou quarenta anos de suas vidas à companhia. Agora, o tempo de permanência vai depender da qualidade do casamento entre empregador e empregado. Recomenda-se pedir demissão diante da suspeita de que a carreira está estagnada. As firmas também queriam empregados obedientes, do tipo "sim, senhor, não, senhor", que cumprem ordens sem pestanejar. Agora não. O empresário só quer manter em sua folha de pagamento pessoas preocupadas em mudar, inclusive de emprego, ou que tentem interferir nos rumos do departamento em que atuam. A capacidade de ousar e de arriscar é uma característica que será testada nos exames de seleção para estágio ou trainee.
Uma maneira simples de o examinador checar a ousadia, por exemplo, é perguntar ao candidato o que ele gostaria de fazer na companhia daqui a dez anos. Não pega bem quem disser apenas que almeja ser gerente ou diretor, sem dar explicações adicionais. Torna-se gerente ou diretor quem responder que pretende estar à frente de um projeto ambicioso, capaz de fazer a companhia – esta ou outra – aumentar a sua rentabilidade e sua participação no mercado. Para conferir se o candidato sabe ousar ou se consegue apenas cumprir regras, basta perguntar a ele qual seria sua reação caso recebesse uma ordem superior para realizar um determinado serviço. O candidato pode ficar preocupado em informar que tentaria cumprir a tarefa no menor prazo de tempo possível, como se trabalhar fosse uma espécie de gincana. Muita gente perde o emprego aí. O que o examinador quer ouvir é que a ordem do chefe não será cumprida antes de um julgamento inicial. Se for considerada equivocada, o superior será avisado disso. Se for aprovada, aí sim a instrução será cumprida no menor prazo possível. "Atenção: quem confundir esse desejo de interferência com teimosia e insolência perde emprego mais rapidamente do que o obediente clássico", alerta o consultor Simon Franco, renomado especialista em colocação de executivos em São Paulo.
O alerta do consultor deve ser levado a sério. Na opinião dos empresários, a presunção é a característica mais perigosa para quem tem planos de fazer carreira. Mais da metade das companhias, 52% delas, apontaram a presunção como um defeito grave. Os outros três defeitos mais citados foram: subserviência, insegurança e teimosia. As organizações têm feito um esforço e tanto na tentativa de garimpar os melhores talentos. As seleções para vagas costumam ser rigorosas, longas, exaustivas. Para descobrir uma revelação entre os milhares de candidatos que se matriculam todos os anos nos programas de trainees e estágios, as empresas examinam currículos, fazem entrevistas, aplicam provas, organizam dinâmicas de grupo. Nunca as firmas demonstraram tanta preocupação em selecionar os melhores para os mais baixos cargos. A razão disso tem um nome: competição.
Com a abertura comercial, o mercado brasileiro passou por uma faxina nos últimos dez anos. Um exemplo: até os anos 90, as chamadas telefônicas internacionais eram feitas por meio de uma empresa estatal, a Embratel, que cobrava quanto quisesse para realizar o serviço. Após a privatização, duas empresas ficaram responsáveis pelo DDI, disputando tarifas e mão-de-obra. A partir de 2003, outras companhias estarão autorizadas a entrar nesse segmento. Como se fosse uma Copa do Mundo, vencerá a disputa quem tiver a melhor técnica, a melhor tática e o melhor time – e conseguir com isso oferecer o menor preço ao consumidor e o maior retorno financeiro ao acionista. Questionadas sobre a importância dos estagiários, 86% das empresas disseram que eles são fundamentais, já que podem contribuir com idéias, mesmo que participando de tarefas pouco estratégicas. As companhias esperam que esses jovens, no futuro, se transformem em gerentes, em diretores e, quem sabe, em presidentes da empresa. Não faltam exemplos disso. Os atuais presidentes da Souza Cruz, da Nestlé e da Gessy Lever foram trainees dessas companhias, bem como milhares de outros dirigentes de empresas no Brasil.
Da mesma maneira como valorizam os jovens, as empresas também cobram resultados. Os estagiários e trainees são observados desde o início de sua atuação e já nas primeiras semanas, no novo trabalho, são encarados como parte do time. As empresas exigem regularidade no bom desempenho, querem funcionários que tenham fôlego, motivação e produtividade acima da média. Na pesquisa, 46% das companhias disseram que percebem ter acertado na contratação de alguém só depois que ele mostrou vários bons resultados. Diante de tais dados, é natural que o recém-contratado sinta calafrios ao receber sua primeira missão. "Será que vão finalmente descobrir que sou uma fraude?", pode se perguntar o mais angustiado. Uma observação tranqüilizadora aos que sentem esse medo: os empresários não estão atrás da experiência teórica de quem acaba de sair da faculdade. Eles estão em busca da capacidade que esse jovem tem de aprender. A única experiência que conta nessa fase da vida, e ela será conferida no currículo, está ligada ao que se chama "vivência de ordem pessoal". Vai fazer diferença se durante anos o jovem treinou para fazer parte do time de futebol da escola, pois o mercado interpreta isso como indicação de alguém preocupado com a disciplina e o trabalho em equipe. Vai levar vantagem sobre os demais aquele que se preocupou em dedicar algumas horas da semana a algum tipo de trabalho comunitário. Para quem conferiu as respostas dos empresários nas tabelas e notou alguma lacuna fundamental na própria formação, os especialistas recomendam providências imediatas. Em alguns casos, acham até melhor adiar o ingresso no mercado de trabalho. "Muita gente que tem a coragem de fazer isso pode ressurgir mais vitaminada no ano seguinte", comenta o consultor Simon Franco.
Fonte: http://veja.abril.com.br/especiais/carreiras/p_016.html